6/13/2005

Sant´ António já se acabou...




Ana Ataíde

6/08/2005

Quem foi que escreveu, quem foi?

"Estamos perdidos há muito tempo...
O país perdeu a inteligência e a consciência moral.
Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada.
Os caracteres corrompidos.
A prática da vida tem por única direcção a conveniência.
Não há princípio que não seja desmentido.
Não há instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita.
Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos.
Ninguém crê na honestidade dos homens públicos.
Alguns agiotas felizes exploram.
A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia.
O povo está na miséria.
Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente.
O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.
A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.
Diz-se por toda a parte, o país está perdido!"


Não, não foi nenhum membro da oposição do actual governo, não senhor!!! Foi mesmo este senhor, Eça de Queiróz, em 1871...



Ana Ataíde

6/02/2005

Choque tecnológico? Para quê?

Comprei um leitor de DVD´s. Para se estar na vanguarda da tecnologia é urgente não perder o comboio, por isso resolvi comprar um.

Como sempre, enquanto o meu companheiro ligava os fios, eu lia o Manual de Instruções, para assim ficar por dentro de todas as funcionalidades e benefícios que esta maravilha da tecnologia me iria trazer. Como sempre também, resolvi fazê-lo no wc (à falta de Tio Patinhas...). Aprendi imenso. Aprendi que quem precisa de um choque tecnológico não sou eu, mas os senhores que fabricam estes gadgets. No ponto Manutenção e resolução de problemas, encontrei algumas pérolas, que aqui partilho com todos:

  • Problema: Não há indicação de alimentação - Causa: A ficha de alimentação não está ligada - Resolução: Ligue o fio de alimentação na tomada de rede

  • Problema: Não há som - Causa: O equipamento de áudio está desligado - Resolução: Ligue o equipamento de áudio

  • Problema: O reprodutor não funciona - Causa: O disco está sujo - Resolução: Limpe o disco

  • Problema: Não há resposta ao premir uma tecla - Causa: O telecomando não aponta para o sensor remoto do painel frontal do reprodutor - Resolução: Dirija o telecomando para o sensor remoto

  • Problema: O telecomando não funciona - Causa: A carga das pilhas está esgotada - Resolução: Troque as pilhas

Ahhhhh, pronto! Assim, já não tenho dúvidas...

Ana Ataíde

5/29/2005

Eutanásia-OUI NON

Cuando yo caiga


Cuando yo caiga, como fruto maduro del árbol de la vida,
dejame allí mismo, donde yo caiga,
para que me abrace el sol y el viento y la luna,
que la vida me devore mordisco tras mordisco.

Que cada cual recoja el amor que me dio:
la luz, su luz; el agua,
la tierra, su ceniza; su espíritu, el viento.
Que coja cada cual lo que precise.

Pero que no me esconda la codicia humana
en el calabozo de los muertos, en una jaula sagrada aterrada a un recuerdo, llorando como un niño
que no quiere devolver lo que se le prestó.

De la semilla al fruto fui empujado por el amor,
cuando vuelva al origen, derribado o caído,
amigo o enemigo, que no te cause espanto,
aunque te parezca que ya no tengo vida,
no es que esté muerto, me estoy recreando.

No me cubras de tierra, ni metas en un nicho.
Si no quieres verme, llévame a campo abierto,
déjame mirando al cielo para irme esparciendo
entre todo lo que quiera llevarse de mí algo.

Un gusano, una mosca, un pájaro cualquiera...
hasta que me consuman por amor regalado
para empujar la vida soñando pero libre,
que cada uno recoja lo que me dio prestado.

Así, cuando caiga, dejame caído para retornar a la vida allí donde yo caiga.

In Poemas de Ramón Sampedro "Cuando Yo Caiga"

Este foi o homem que, na idade adulta, me fez acreditar verdadeiramente na Vida.Lamento para os que odeiam espanhois que este herói chegue de Espanha.Lamento para os que amam a Espanha que tenha sido a Espanha a matá-lo com dor, muita dor.

Catarina Miranda

Agora tanto eu, Patrícia, como a Catarina vamos para nossa Casa.Vamos fazer Amor uma com a outra porque tudo o resto falhou. Tudo menos as Crianças.
Mas antes de dizer Boa Noite, digo-vos que "finalmente"(em Portugal) a geração do Charro chegou ao poder e Meu Deus.Sim Senhora, há muito que se fala em Haxixe e nos Assassins mas aqui em Portugal ao pé da nossa idade, da nossa geração de 70 completamente disfuncional e sem responsabilidade absolutamente nenhuma.Não.Hoje Dói Muito. Hoje Dói Muito Olhar para as bancas de um quiosque e sentir alívio apenas na Terra do Nunca.
Hoje Dói Muito ter de pôr as Lauras Esquíveis de parte e fazer o Elogio Supremo da Margueritte Yourcenar-Memórias de Adriano...Tempo Esse Grande Escultor.
Nas memórias de Adriano, o objecto da paixão de um Imperador suicida-se porque está farto de ser gay, porque o Amor sufocante do Imperador lhe tira o Ar, Porque não tem culpa de Ser Belo, Porque Não Tem Culpa de Ser Jovem e Porque não pode fazer absolutamente mais nada a não ser deixar-se ser enjoativamente amado pelo estupor do Imperador.
Quanto ao Tempo...esse dá-nos sempre a cara e a velhice que a gente merece...é Escultor.
Declaro, por exemplo, ao Lobby Gay, que pertenço ao Lobby Cagay.
Declaro que se Amo uma Mulher faço-o com o maior dos desgostos.
Às vezes Um Homem e uma Mulher Completam-se Sempre.
Malditos Gregos que tanto estafaram as Suas Mulheres de Atenas que agora é a vez delas irem para a Night Dançar.Sempre foi também a sua vez mas agora Elas Dançam para todos verem.

Não, Não, Não três vezes Não

Patrícia

5/27/2005

A Senhora do Destino

Há 17 anos comecei a fazer estudos de mercado. Queria juntar dinheiro para tirar a carta. Percorri todos os bairros de Lisboa, todos os prédios, bati a todas as portas e perguntei a todos os moradores que aceitaram responder ao inquérito: que margarina usa habitualmente? Acha a margarina salgada, insonsa, q.b. ou não responde? É cara, barata ou não sabe?
Por cada questionário preenchido recebia 500 escudos. Se conseguisse dez já fazia 5 contos diários.
Num desses dias, às nove da noite, bati a uma porta em Telheiras, um bairro que já venceu há muito tempo a barreira dos arredores. Fui recebida por uma senhora sorridente. Tinha uns 39 anos e muito bom aspecto. Perguntei-lhe se estava disponível para responder a umas questões sobre margarinas e uns novos sumos que tinham acabado de aparecer no mercado.Se ela me respondesse completaria os meus 5 contos diários. Isso e estar ali àquela hora e com aquela idade eram os únicos argumentos que tinha para a convencer. Ela manteve o sorriso e em tom de súplica disse-me: “…é que estou a ver a novela. Estive todo o dia a trabalhar, acabei de dar o jantar aos meus filhos e só tenho este bocadinho para estar sossegada compreende? Importava-se de voltar noutra altura?”

Pára este texto. Pára tudo. Os planos de viagens, as férias, o maravilhoso, o incrível, o bom e o mau, os interessantes, os giros e os feios, as dissertações, as narrativas, os idiotas e os inteligentes, as gargalhadas, o trabalho, os colegas, os amigos, as crianças, a montanha russa, o twister, o combóio, o avião. Pára de falar.Desliga o telefone porque isto vai começar.

É infalível. A novela é infalível. Não tem piedade. É implacável. Refiro-me apenas à novela da Globo, à “novela das oito” e a mais nenhuma.
A minha primeira paixão foi o Dr. Mundinho em Gabriela, hoje um José Wilker careca que faz de bicheiro na Senhora do Destino. Quando ia ao cabeleireiro com a minha mãe pedia sempre um penteado à Malvina (Gabriela), hoje uma velha Elizabeth Savalla que não resistiu ao tempo e ficou confinada a papéis de histérica na novela das seis. Encantava-me o romantismo da Jerusa (Gabriela), hoje uma Nívea Maria que acabou numa mãe low profile de Malu Mader em Celebridades. O Sr. Nacib (Gabriela), um Armando Bogus que deu o seu último suspiro em Tieta do Agreste. O Dr. Ezequiel, o Coronel Amâncio, a Maria Machadão e as meninas do Bataclan. Salvo raras excepções, já morreram todos. Os que ficaram precisam de ser esgravatados no reino do papel secundário… menos Gabriela, uma Sónia Braga que se internacionalizou.
A dependência da novela consiste em verificar o processo de envelhecimento dos actores de uma para a outra – “iiiii como este está, gordo que nem um txugo; iiiii o que é aconteceu àquela?; olhameste, continua na mesma!” – em sentir o alívio de ver boas representações em português (do Brasil), em ficar enredada e embaraçada num argumento em que o autor passou, plo menos, um par de anos debruçado sobre textos e diálogos de dezenas de personagens com dramas e aventuras que se cruzam entre si. E o argumento não perdoa: se ficar um mês sem poder assistir à novela das oito é mais que certo que quando a ela voltar, logo à primeira cena, entro no mesmo transe com que seguía a anterior e a antes dessa, a das oito. O fenómeno é semelhante à leitura do Código Da Vinci. Funciona como uma aspirina que tira as dores de cabeça, uma anestesia que adormece os sentidos e nos entorpece, um alhear que nos afasta convenientemente do essencial. Não voltamos a pensar no assunto, nem no Código nem na novela, mas aquele momento poderá bem ser, como me disse a Senhora de Telheiras, o único sossego que se consegue obter do dia.
A Isabel, da Senhora do Destino, abraçou uma mãe que nunca conheceu, anunciou a gravidez a um homem que a ama desesperadamente e que não a vía “há uma eternidade”. A falsa mãe e raptora de Isabel enlouqueceu e quer matar qualquer um que se lhe meta à frente. Há uma catrefada de irmãos, há sucedâneos de tragédia grega.
Os diálogos não são brilhantes como na novela anterior, (e daí...talvez sejam) em que o mau e a má da fita entravam numa desgarrada filosófica até se matarem mas o enredo, o guião é o íman mais que perfeito, sobre e para trabalhadores. Um Brasil de 1968 que vivia numa “liberdade vigiada”.Tanques na rua, soldados, armas, bandeiras, fumo, gritos e no meio disto tudo há um bebé que é raptado. Está lançada, a novela. Mordi o isco…só para falar da década de 90.
Há mais de 40 anos que a Globo anda a especializar-se em prender atenções:

A Sombra de Rebecca, A Gata de Vison, A Cabana do Pai Tomás nos anos 60.Casarão, Dancin´Days, Dona Xepa, anos 70.

Água Viva, Guerra dos Sexos,Vale Tudo em 80.

A Próxima Vítima em 90.

Estas e muitas mais estraçalharam os outros canais brasileiros: Manchete, SBT, Bandeirantes, Tupi etc.

Aqui há tempos houve uma reposição de Gabriela(1977). Técnicamente perdeu o direito ao horário nobre.Tem rua, política, cidade, campo, tipos e carácteres mas tem um ritmo a que já ninguém adere, os audios, ou antes, os sons ambiente esstão desfasados, as conversas são teatrais e lentas, os planos de corte (de passagem) interrompem as cenas à bruta. É boa mas é antiga. Emocionalmente é melhor não voltar a ver o que há tantos anos me fez tão feliz (ou estarei enganada...), a Gabriela Cravo e Canela, mas insisto em distrair-me e sossegar-me com a Senhora do Destino tal como previu o sorriso e a expressão- “um dia vais perceber porque é que te vou dar com a porta na cara”- da Senhora de Telheiras que nunca respondeu ao questionário sobre as margarinas e que voltou para o sofá.

Catarina Miranda

5/25/2005

Os Descobrimentos

Naveguei Pelo Mundo dos Livros e Eureka, fiz a Descoberta.
O Marido da Escritora era Aquele que lhe assinava as Histórias.
Foi como Encontrar a Índia num dia de Chuva e poder Finalmente deitar-me com o Buda.
Não, não é para Rimar porque Eu Não Sei Brincar.

Outra Vez Dona Inês

A Dona Inês é Vaidosa
Parece uma Quaresmeira sempre vestida de Rosa.
Não gosta de dar nas vistas mas discretamente lá vai passando na esperança de esquecer o Pedro e encontrar o Fernando.

25 de Maio

Celebra-se o Dia de África.
Assinala o Compromisso político dos líderes africanos de promover a Unidade e Solidariedade entre os Estados.
Hoje a notícia de abertura de todos os Telejornais do Mundo só pode ser isto. Se não fôr é porque anda toda a gente enganada. Vamos viajar pelo mundo informativo. O primeiro que abrir com uma cena deste tipo Ganha.

Ganha o quê?

Ganha. Achas Pouco?

Há sempre os sortudos dos perdedores.

Ya mas esses não chegam a lado nenhum. Ficam a meio.

5/24/2005

Nasceu o Romeu

Respirar Correr Andar


Tu deves ser de Vénus porque eu de certeza sou de Marte.
Havemos de Ficar juntos Para Sempre.
Amantes Para Sempre.
A Cuidar um do Outro.
Podes Viver no Mar e eu posso Ser um Pássaro porque vamos mesmo Ficar Juntos.
Sempre que te apetecer fugir, correr não hesites e dirige-te para os meus braços e deita-te no meu peito.
Só quero dizer Olá a quem Amo porque passo o dia Agoniada com a tua ausência.
Já Sei. És um Viajante Universal. E Então? Também Eu.
Consegues Surfar nos Rochedos. E Então? Eu Também.
Corres o risco de perder-me. E Então? Também Eu.
Mas isto é Biológico. Milhares de Cabelos apenas Dois Olhos e és sempre Tu. Alguma pele, biliões de genes e voltas a ser tu.
Está Toda a Gente a Mudar e Eu Não me Sinto Bem. É um Caminho bem Solitário aquele que escolheste mas e então? Eu Também.
É provável que não nos voltemos a encontrar a não ser que tudo isto seja Circular.
Mil Anos passaram e mais Mil Hão-de passar e serás sempre Tu.Tu.Tu.
E que palavra mais díficil para se dizer.
Mas se Quiseres Também Podemos Ir Para a Praia dançar ao Som dos Duran Duran...ou do Spriengstein? Ah compreendo. Não. Népia. Ka.
Azarucho. Vou Apanhar Ar Correr e Andar.

Patrícia

Ninguém Diz Nada...

New York (Nations Unies), 24 mai 2005 (AFP) - L´Ancien Premier Ministre Portugais António Guterres a été nommé au post de Haut comissaire de l´Onu pour les réfugiés, a-t-on appris mardi de source onusienne.

Ninguém reage. Ninguém quer saber. Estão todos a fazer a sesta e a pensar quem é que mandou matar o Amílcar Cabral, quem foram os palhaços que espalharam o Marburg, que tipo de Barro é que serve para Cosmético, se Vai Chover ou se esperamos pela Estação das Chuvas. OK. Who Cares about o provincianismo de ter mais um lá fora ainda por cima nos refugiados. Pouca coisa. Back to Work. Pelo menos em Portugal não se vai falar de outra coisa...SLB e o escafandro.

Catarina Miranda

Cem Imagens

Leste os Jornais?

Em Diagonal como o Pai.

E Então?

Nada.

Faz um Esforço.

Epá é que os gajos escrevem mal, tá cheio de erros, de gralhas. Não Sei onde Raio se meteram os copy desk...OK já que insistes:


"A mulher que veio de Leste por Mão de Khol" . Acho que é a primeira mulher a impor-se na liderança de um grande partido alemão, epá, a candidata à chancelaria pela CDU, a Angela Merkel. Acho que a tipa era filha de um pastor protestante e arranjou uma carga de trabalhos lá na zona. E agora, como se não bastasse, o "Schroeder quer antecipar eleições no parlamento"

Depois os gajos d´A Bola ainda não se calaram com o SLB, os putos vão para a escola vestidos de vermelho, outros vão de verde só para chatear. Andam todos à batada e as educadoras fumam dez maços por dia na casa-de-banho. Pois não! De manhãzinha os papás levam-nos à escola e pelo caminho compram o jornal. Pimba: "O Fabuloso Destino da Onda Vermelha" o que vale é que as meninas ainda estão naquela da Amélie, tadinhas.

A páginas tantas aparece-me um gajo chamado Não a disparar umas larachas. É um tal de Fernando Ka que, publicamente, atreve-se a mandar esta bujarda: "Discriminação Racial ou os Novos velhos do Restelo". Esta cena só porque anda convencido que andam para aí uns teimosos a dizer que em Portugal não há racismo quando isso não passa de uma grande distracção ou de má fé. Se o gajo, em vez de estar a perder tempo, mandasse a má fé para onde ela é precisa fazia melhor que anda aí uma gente que só come ordenado, perdão, arroz. O gajo que vá ler o Camões porque não percebeu nada dos cantos quando lhe ensinaram.
E às tantas, o número da moda: 6, 83%. Para isto não tenho pachorra mas acho que tem a ver com a ingovernabilidade de um país. Portugal.

Epá e mais nada a não ser o costume, as grandes esmolas da União Europeia e aquela cena para assustar."Última Oportunidade para o Continente Africano"

O que vale é que os gajos insistem na cena das colecções, a ladroagem. Hoje lembraram-se, outra vez...é uma mania, do Júlio Verne e da Estrela do Sul. Tem qualquer coisa a ver com um Diamante Fatal perdido na África do Sul. Uma tal de Sara Gomes manda com:

"Será possível fazer "nascer" um diamante? Cipriano Méré é o jovem quimico francês que parece conseguir essa proeza em nome de um amor impossível. Mas eis que o diamante é roubado e a única solução é atravessar a África do Sul à procura da valiosa pedra, numa luta contra o tempo e muitos inimigos"

Ora eu já li o livro e não vi nada disto. A Sara deve andar a ver muitos Indiana Jones ou então tropeçou no Tomb Raider. Ganda Maluca.



Catarina Miranda

Quiz Show - E O RESTO ?


Trabalhar Pra Ganhar a Vida
Porque é Que a Vida Que Se Ganha
Tem de Gastar-se a Trabalhar
Para Ganhar a Vida
A Minha Voz - Lena D´Água
A Minha Letra - Luís Pedro Fonseca
O Escritor da Minha Vida. Único. Imenso. Eterno. - Quino
Catarina Miranda

5/23/2005

Quiz Show

Finalmente


x´=x-vt
raiz 2 de 1-kv2 x= x´+vt´
raíz2 de 1-kv2


y´=y y=y´


2´=2 2=2´


t´=t-kvx
raiz2 de 1-kv2 t= t' + kvx´
raiz2 de 1-kv2

Estando os eixos na "posição standard", é esta a forma mais geral duma transformação linear que respeite as condições que impusemos.*ir a comments

(from:Teoria da Relatividade Restritiva)

A Cacha Mentirosa

Não tenho pachorra para Cachas jornalísticas fraudulentas.
Não tenho pachorra para a teimosia da Cacha.
Não tenho pachorra para estes exibicionismos que a meio da tarde se transformam em trica de corredor. Não Tenho.
O que há em mim sobretudo é sono.
Tenho Sono. Não há meio de acordar. Vou fazer a sesta. Volto quando valer a pena e se valer a pena a não ser que fique cheia de pena dos jornalistas encachotados.
Catarina Miranda

Um Carneiro Zangado

A minha Tia Avó é do signo Carneiro. Eu sou do signo Capricórnio. A vida não nos é fácil.
Acabei de falar com ela ao telefone e desliguei-lhe com um até logo irado. Diz que me tem observado e que a ela eu não engano. Já a tinha convidado para irmos almoçar à praia mas, desta vez, disse-me que não. Mudou de ideias. Queria só que a deixassem em paz. Estava cheia de dores. Pelo meio de uma das dores acusou-me de me ter aproximado de uma "terceira pessoa" numa altura em que não podia fazê-lo. Fiquei em pânico. Já fiz asneira. Ouvi atentamente os seus argumentos. Comecei por aceitá-los, comecei por me odiar mas continuei a ouvi-la atentamente até ter percebido que quem falava por ela, pela boca da minha tia avó, era apenas a dor.
É verdade. Aproximei-me de uma "terceira pessoa" simplesmente por uma forte necessidade de ir almoçar à praia mas imagino, sendo Capricórnio, que o Universo Carneiro vá ficar, finalmente, muito zangado comigo. Paciência. Basicamente, estou bem farta e saturada das desconfianças dos carneiros. Uma vez Capricórnio vou fazer o que acredito piamente que faz Bem à "terceira pessoa" que afinal é a primeira. Acredito piamente e também que faz Bem a...Mim.

Não dás ponto sem nó, diz-me a tia-avó.
Desde que sejam bem feitos, digo-lhe eu.
Mas para que os fazes, pergunta-me.
Para depois poder desfazê-los além de que tu, minha tia, fazes nós muito mais apertados do que eu. Vi-me sempre à rasca para desapertar os atacadores dos ténis.
Olha que essa, eu nem sei fazer nós calha bem. Continuou.
Sim, sim abelha. Piu, Piu e Até Logo.

Se estiver redondamente enganada o mais provável é que nunca chegue a ir almoçar à praia. Nessa altura o azar é da minha tia avó porque eu sigo em frente para o campo e ela fica numa cadeirinha a apanhar banhos de sombra.
Já a minha avó que é Aquário surpreende-me sempre pela positiva. Acabou de me ligar e eu acabei por lhe perguntar se gostava de ir almoçar comigo lá para os lados da Malveira e ela respondeu: Ena pá tão longe, adoro a Malveira, sempre adorei. Fico à espera que me leves. Gosto tanto da minha avó. Parece uma francesinha. E agora está naquela fase em que só se quer rir e se esqueceu das dores. Já tou mesmo a vê-la a andar aos saltos pelos sítios queridos onde foi feliz...pela Malveira.

Patrícia

5/22/2005

Festarola: Benfica Campeão


Tenho Sono

Catarina

"Inesperadamente" Reapareceu Perto De Mim

Cristo mal tive tempo de arrefecer e de me habituar a esta nova serenidade.
O raio do homem regressou do Senegal. Desta vez irritei-me e dirigi-me até à sua residência para lhe pedir satisfações. À porta um gigante segurava-lhe a calma aparente. Perguntei por ele e ouvi: Está a descansar, a dormir. Estremeci de raiva.O que é que ele quer agora. Estava à espera que já não voltasse. Na rua, o aparatoso dispositivo masculino seguia-me sem sequer ter de me olhar.Por hoje chega.Vou deixar de lhe ligar.
Haja o que Houver estou Off Line.

Patrícia

Avó

"Muro d aman curamada q caramna e muuio e gosto muto da"

Foi assim que a minha Avó me tentou escrever :

Catarina Para Mim Tu És Uma Princesa
Gostava de Ter Vida Para Te Ver Crescer


Catarina Miranda

"Inesperadamente" Desapareceu no Senegal

Era um homem bastante inteligente. Apaixonou-se por mim ao primeiro olhar e desde aí a vida nunca mais lhe foi a mesma.Cheirava permanentemente a álcool, apanhou o vício nos tempos da faculdade no Algarve.
Os dentes eram castanhos, cheiravam mal e já lhe tinham diagnosticado uma podridão estomatológica.
Como vêem eu não podia corresponder-lhe à paixão.Homens com mau hálito não.
Fez trinta por uma linha para me chamar a atenção. Agitou a vida de tudo e de todos. Até a árvore que eu tinha no meu jardim se inclinou de cansaço. Escreveu um livro, inspirou-se em mim. Foi best-seller, todos o leram menos eu que não tive tempo. Perguntou-me se tinha gostado. Disfarcei não ter lido e respondi: Não! Achei Frio.
Finalmente acho que o homem se esgotou porque hoje, inesperadamente, partiu para o Senegal.
Só espero que não volte de lá agora com a artilharia pesada. Eu já lhe disse, olhos nos olhos, lamento mas contigo não.
Patrícia

5/21/2005

Avante Camarada!



Fiz uma descoberta fantástica! A minha empresa deve ter o melhor sindicato do País! A ver:
O SINTTAV, é o maior Sindicato das Telecomunicações e Audiovisual cá do burgo, segundo o flyer que me foi entregue pela minha chefia. Abri-o e não quis acreditar no que via. Só tive pena de não ser homem. Aqui fica exactamente o que está escrito no dito flyer, precisamente com a mesma mancha gráfica do original, maiúsculas e minúsculas:

"A acção do SINTTAV

Contratação Colectiva - Matéria Salarial, Carreiras, Redução do horário de trabalho, Acordos de empresa, Acordos colectivos de trabalho, Cadernos Reivindicativos, Aumento de dias férias
Emprego com direitos
Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho
Intervenção Sindical nas empresas
Formação Profissional
Apoio Jurídico
Mulheres
Jovens (...) "

Mulheres???? Jovens?????? Atão e uns gajos bons não se arranjam?? Eu quero um alto, moreno, olhos verdes, pode ser, pode?


Ana Ataíde

Salgueiro, A Árvore Dela

-Ele...telefonou-me... de...Paris??...A...sério?!!!...Porque é que não me chamaste....porquê???!!!
-Estavas a dormir.
-E o que é que ele disse, o quê?!!!”
-Lembro-me lá. Queria tanto ouvir-lhe a voz que lhe perdi o conteúdo”.
Depois desta resposta uma das minhas tias solteiras saiu da cozinha em direcção ao campo, encostou-se ao tronco de um Salgueiro e fechou os olhos.
Foi daqueles fins-de-semana arrepiantes. Como de costume lá fui visitá-la.A casa ficava-lhe na parte terminal do Rio Vouga.
Todas as sextas sonhava com o sábado: “Baixo-Vouga aí vougueu”.
Não havia outra hipótese. Era a única forma de comer sopa de legumes coisa que esta minha tia solteira fazia como ninguém.
Os dias que passava com ela eram cansativos. Estava sempre zangada comigo. Prendia-me por ter cão, prendia-me por não ter. Eu tentava levar-lhe o cão e mandá-lo embora logo de seguida. Não resultava. Eu ainda não tinha percebido o meio-termo. Esta minha tia solteira e agora com 73 anos não se deitava porque lhe doíam os ossos, não se sentava porque lhe ardiam as costas, só descansava quando se encostava ao tronco do Salgueiro. Adorava o raio da árvore. Nunca me explicou porquê. Limitou-se a despachar-me com uma daquelas frases “A lenha do Salgueiro aquece o agricultor rico, aquece o artesão, aquece o trabalhador rural”
Porreiro. Passava a vida a mandar-me à merda com boas maneiras e eu não percebi porque raio gostava ela tanto de uma árvore. Compreendo, conseguia fechar os olhos quando a ela se encostava.
Nesse sábado, enquanto a observava de olhos fechados ao longo do Salgueiro reparei finalmente na árvore. Não há dúvida que o tronco tinha uma forma melancólica. Não há dúvida que deste tronco saíam outros em curvas sensuais.Não há dúvida de que as folhas o tornavam extrovertido e não há dúvida que a fazia, à minha tia, viajar.
Pensei que me bastava, já não queria saber do resto. Chamei-a porque a sopa já fervia. Ela não respondeu, nem voltou a abrir os olhos.Foi um fenómeno interessante porque esta minha tia morreu de pé...ainda bem que o Salgueiro não lhe permitiu a queda.
A perda causou-me desgosto mas, não há dúvida, esta não era a minha única tia.
Catarina Miranda

5/19/2005

A Minha Mulher V

Desta vez Eufémia recebeu-me em minha casa, maquilhada. Os tons da base, do pó-de-arroz, do blush, do rímel, do bâton acentavam-lhe na perfeição não fosse o ligeiro exagero. Até as olheiras habituais tinha disfarçado com anti-cerne. Foi este tom carregado da pintura que me fez perceber a sua Ira...para mim.
Eu estava exausta e despenteada. Uma mala de cada lado derreava-me os braços. Devo-lhe ter feito um olhar de muita falta de pachorra porque ela virou-me as costas à velocidade da luz. Atirei-me para o sofá e esperei que ela regressasse o que aconteceu precisamente na altura em que toda a minha cara esboçava um sorriso. Eu tinha acabado de regressar de uma semana de férias em Goa e agora Eufémia pedia a demissão:
"Já não quero trabalhar para si, surgiram-me outras oportunidades, despeço-me."
"Falamos amanhã, a viagem foi comprida, preciso de dormir."
Ela saiu e bateu com a porta de tal maneira que tudo o que havia de mais pesado na sala estremeceu.
Estive muito pouco tempo em Goa, o suficiente para um encontro que aconteceu, logo ao primeiro dia, no Terminus Panaji enquanto aguardava pela camioneta. Olhava sempre para o chão, enquanto comprava os bilhetes mal se percebia a voz, tinha a coluna torta que lhe evidenciava o rabo, muito alta. Era uma feia com a autêntica beleza de uma Helena de Troia. Quem diria.
Entrámos juntas na camioneta e percebi logo que se tratava de uma mulher de muito jogo. Despassarada, só conseguiu sentar-se quando o único lugar vazio se encontrava ao meu lado. Comecei a ficar impaciente e resolvi a questão olhando para a janela até ao final da viagem. Sempre que o sol se escondia via o seu reflexo no vidro. Observava-me atentamente sem nunca tirar os olhos do motorista que a topou logo pelo espelho retrovisor. Tive vontade de perder todos os sentidos mas não consegui até adormecer como uma pedra apesar da cabeça não parar de bater na janela a cada buraco no asfalto e na terra batida.
Acordei já no final da viagem. Procurei a garrafa de água que nunca cheguei a comprar. Nem mais. Ela ofereceu-me a dela e disse sumidamente: não vou precisar.
Como não tinha nada a perder virei-me e respondi-lhe: a sua voz não condiz com a sua altura. É fraquinha.
Ela ficou em silêncio depois de me ter convidado para beber um café.
Insisti: um café indiano ou português?
O que é que isso interessa, aqui os portugueses já se esqueceram dos indianos e os indianos alhearam-se de Portugal. Vamos antes beber uma Coca-Cola, está calor
.
Entrámos na rua à balda. Iamos sendo atropeladas por uma mistura de riquexó com uma vespa preta e amarela. Sentámo-nos numa esplanada e aqui ela fez-me uma expressão esquiva, no limite do lascivo, com um olhar severo mas enternecido. A mesa e as cadeiras estavam assentes numa espécie de ladeira e por isso ficámos, finalmente, à mesma altura. A voz mudou-lhe no mesmo segundo: arrogante, grave, dura, bonita como ela. O empregado aproximou-se, percebeu que eramos portuguesas, riu-se e disse entre dentes: Salazar. Olhou as crianças que andavam em volta numas bicicletas de ferro e disse que tinha ultrapassado a vontade imensa de ter filhos. Franzi a testa. Não podia ser, era tão nova. Mas porquê, algum desgosto? Não, na verdade não tenho paciência para miúdos, exasperam-me. Engoli em seco e mudei de assunto. Voltamos ao silêncio e ficámos a observar os que passavam, os que liam o jornal, os que olhavam para a bezerra. Eram brancos ou indianos castanhos com um olhar raiado de amarelo. Nunca vimos a mistura. Aproveitei para comentar e normalizar a Coca-Cola: É engraçado, logo a primeira colónia europeia na Ásia e não se vêem “casamentos” mistos.
Aqui a mestiçagem,
respondeu-me sem hesitar, é espiritual.
O problema todo é que quem estava sentado mesmo atrás de nós era o motorista, um indiano bem constituído com o desmazelo de quem acabou de sair do torneio de Wimbledon. Virou-se para nós e disse: nem sempre, nem sempre...que há quem seja duro de ouvido. Desatámos a rir os três no momento em que o empregado chegou para receber o dinheiro da conta. Era baixo, pequeno mas esse tinha a beleza de um leopardo. Olhámos uma para a outra e percebemos que iam ser umas férias inesquecíveis. Ela ficou com o pequeno, era mais bonito e fazia com que ela baixasse a voz. Eu fiquei com o grande e desmazelado e elegante porque me fazia baixar a voz. Não. Nunca os trocámos. Não. Eles também não. Não, nunca houve trocas nem confusão. E é disto que o esquecimento tem medo e por isso nunca aparece.
Foi apenas uma semana, o suficiente para Eufémia pedir a demissão.
Voltou no dia seguinte e seguiu o meu conselho: oh mulher ouça fado e faça da saudade e da perda uma coisa agradável.
Eufémia aproximou-se de mim e beijámo-nos com paixão ao som do “Barco Negro”.
Patricia

5/18/2005

As malhas da globalização

Acredito no capitalismo por não acreditar muito no altruísmo do ser humano. É a perspectiva de um novo automóvel, um melhor futuro para a família, o prestígio da promoção ao Conselho de Administração que faz com que as coisas sejam feitas da melhor maneira. Já se sabe que, quando tudo é de todos, ninguém se responsabiliza por nada.
No início do ano, que começou com a eliminação das disposições aduaneiras que restringiam as quantidades de têxteis que a União Europeia podia importar, um ministro chinês afirmou estar a trabalhar para garantir que as exportações de têxteis chineses para a Europa se fizessem de «forma ordenada». Não estava preocupado em garantir que as peças de roupa viessem engomadas, dobradinhas e bem acondicionadas no contentor, ou que não houvesse engarrafamentos de gruas no porto de Xangai. A retórica pretendia agradar às autoridades europeias, ou ao público a quem as autoridades europeias pretendiam agradar, e referia-se na verdade a conter o crescimento das exportações.
Agora o comissário europeu do Comércio afirma estar em curso uma «investigação» acerca das exportações chinesas e dos seus efeitos na indústria europeia. Parece qu
e está a procurar o vilão que viola as regras do livre comércio, mas pouco mais haverá a fazer que recolher os valores junto das alfândegas. Quase não valerá a pena consultar os industriais dos têxteis, porque já se adivinha que a indústria dos têxteis está a vender menos, e já se sabe que todos se queixam, na aplicação inversa do sentimento que os levou a montar o negócio para poder comprar o iate. No contexto de concorrência que a Europa consagra internamente nos seus próprios tratados, os vilões não deviam ser os empresários chineses que produzem mais barato.
Podiam sê-lo se recorrêssemos ao conhecido argumento do dumping social: os salários e as condições de trabalho na China fazem concorrência desleal. Mas se começamos a puxar por esse fio acabamos por chegar ao facto de que a China (ainda) é um país pobre, e que nos países pobres as pessoas estão dispostas a trabalhar por menos e em piores condições. Há uns meses li que havia um exército de trinta milhões de camponeses desejosos de autorização governamental para irem trabalhar para as cidades e que portanto os salários ir-se-iam manter baixos por muito tempo.
Acredito também que o capitalismo gera riqueza suficiente para atender aos mais necessitados que, temporária, ou nalguns casos, permanentemente, devem beneficiar da ajuda de todos. Isto é mais ou menos pacífico, a discussão, evidentemente, centra-se na definição de mais necessitados, e na medida em que devem ser ajudados. O caso dos têxteis pode ser discutido de forma análoga, separando, para efeitos de análise, consumidores e produtores e, dentro destes, a classe dos trabalhadores por conta de outrem. Claro que não existem consumidores puros, de um lado, e trabalhadores, do outro: o operário da Vila das Aves ficará satisfeito se passar a poder comprar camisolas de manga curta made in China a metade do preço, mas a satisfação não será grande se ao mesmo tempo for parar ao desemprego.
As vantagens para os consumidores europeus podem até ser superiores às «perturbações» na produção europeia (como lhes chama a Comissão Europeia), mas de um lado há pequenos ganhos para muitos, enquanto do outro são grandes desgraças para um pequeno conjunto de trabalhadores europeus: se o subsídio de desemprego os protege (durante algum tempo), ninguém os abriga da frustração. No entanto, retirando o adjectivo «europeu», incluímos a felicidade dos trabalhadores chineses que conseguem novos empregos, neste mundo complexo da globalização.
Paulo Bento

5/17/2005

Cabral Ka More





É o pai da independência da Guiné-Bissau e de Cabo-Verde.
É o Che Guevara Africano.
Foi assassinado a 20 de Janeiro de 1973, antes de ver aquilo porque tanto lutou: a independência da Guiné proclamada unilateralmente no mesmo ano por um tal de...Nino Vieira... em Madina do Boé e mais tarde, a independência de Cabo-Verde.
Autoria do assassinato: desconhecida. Por agora apenas especulações.
No Sábado passado pedi a um pintor moçambicano para, em conjunto, fazermos um exercício imaginário:

Se Amílcar Cabral não tivesse morrido em que tipo de homem se teria tornado?

Lívio de Morais, pintor...e escritor, respondeu que devia ser mais do tipo de Samora Machel do que de Joaquim Chissano.


Podia ter acontecido, disse-lhe eu, aquele fenómeno típico dos grandes libertadores: tornarem-se em facínoras ditatoriais.

Não acredito. Respondeu-me de imediato.

Perguntei-lhe: o que de pior pode acontecer a um Amílcar Cabral?

Respondeu-me: precisamente o que lhe aconteceu, ser assassinado.

Lívio de Morais ofereceu-me um bloco (castelo) com desenhos que fez para mim enquanto esperava que eu chegasse ao nosso encontro. Combinámos rezar. Combinámos ter fé na Comunidade e na Ingerência Internacional num país que está neste momento em suspenso. Mas o que mais combinámos, eu e este pintor de multidões africanas e de mães com filhos às costas, foi o de tentarmos manter vivo o espírito de Amílcar Cabral porque, como diz uma canção:
Cabral Ka More.
Atenção aos Ninos, aos Yalás e aos Sanhás, que o Homem Cabral Não Morreu.


Vai em frente Cabo-Verde. Boa Sorte Guiné-Bissau.


Catarina Miranda

Contra Todas as Expectativas


Contra todas as expectativas recorro pela primeira vez à imagem, que pouco tem a ver com filmes ou bandas sonoras.
Contra todas as expectativas deixo uma frase inspirada em quem e a quem todos, na blogosfera, conhecemos:
EU HOJE ADORMECI ASSIM
Patrícia H.

5/14/2005

Uma Mulher Enjaulada na Liberdade




O retrato desta mulher é tirado por um homem na New York Times Magazine e traduzido para português pela Courrier International.
O homem, Christopher Cadwell, descreve a mulher Ayaan Hirsi Ali a oito colunas.
Em síntese Ayaan “nasceu na Somália, fugiu de um casamento imposto pelo pai, trabalhou como empregada de limpeza e hoje é uma das deputadas mais respeitadas do Parlamento holandês. Tornou-se célebre nos Países Baixos por condenar a opressão de que as mulheres muçulmanas são vítimas e declarar que, segundo os critérios actuais, o profeta Maomé seria considerado tirano e perverso”.
A descrição é forte mas, com certeza, demorou-lhe as passas do algarve até lhe assentar na perfeição.
Agora, a partir do texto, oito colunas, e das fotografias, tento eu traçar-lhe o perfil:

Ayaan Hirsi Ali tem 33 anos. Um pai africano, uma mãe holandesa, uma terra natal islâmica. Tem a “cara que merece”. O Negro do chocolate com leite, dentes brancos, cabelo cuidadosamente apanhado, nariz ocidental, um discreto brinco de pérola na orelha, apenas para os mais atentos. Dedos delgados e compridos, mãos de mulher com pé grande.
Para muitos devia limitar-se a um banco de piano de cauda mas, com todo o respeito e admiração que tenho por todos os que decifram e interpretam a Música, Ayaan esforçou-se muito mais do que isso. Obrigou-se a ser livre. Haia é o cenário actual mas antes passou pela Arábia Saudita, Etiópia e Quénia. Aparentemente fugiu destes países, da sua religião e do seu marido mas acredito que Ayaan nunca fugiu a coisa nenhuma.
Um dia um jovem holandês convertido ao Islão, “tocou-lhe no ombro”. “Voltei-me e vi o jovem que me pareceu um belo rapaz sardento, por volta dos seus 24 anos, e que me disse: Minha senhora, espero que os soldados da Jihad arranjem maneira de a matar”.Ayaan “estendeu-lhe a faca do talher e respondeu: porque não o faz você mesmo”.
Obviamente não passa um segundo sem os “seus companheiros de infortúnio”, os guarda-costas.
Regresso ao retrato de Christopher Cadwell:
“O seu estatuto e símbolo nacional, eleva-a acima dos seus concidadãos, mas no quotidiano, ela partilha a triste sorte dos detidos”.
Catarina Miranda

5/13/2005

Red Alert!

Atenção à Joana.

5/12/2005

E agora, algo mais light



É, de facto, maluca, esta ideia de desviar a órbita do planeta Terra através de um salto sincronizado de milhões de pessoas num dado instante. A ideia peregrina conduzirá (dizem eles) ao fim ou à redução do aquecimento global, à extensão das horas diárias de luz natural e a um clima mais homogéneo (e provavelmente também ao fim da queda de cabelo ou ao terminus dos joanetes)... está tudo louco, mas se quiserem inscrevam-se no World
Jump Day, em 20 de Julho de 2006.

Agora, as minhas questões são: temos todos de ir para um certo sítio do planeta ou podemos saltar na nossa banheira? Uma pessoa com 100 kg pode saltar por duas de 50kg?

É que já que a terra tem uma massa de 5,975x1024kg, o impacto causado pela massa de cerca de 6.200 milhões de pessoas se, em média tiverem 70kg(434x106kg) mesmo sincronizado e no local ideal seria substancialmente menor do que uma picada de mosquito num elefante.

Só me faz lembrar da ameaça velada do Mao Tse Tung que avisou o "ocidente" que se os chineses dessem todos uma patada no solo ao mesmo tempo, o mundo sofreria as consequências...

E quem não salta................



Ana Ataíde

Amizade



É uma Fezada.
Foi esse o olhar que trocámos no meio da multidão só não sabíamos bem porquê. O acaso juntou-nos para tratar de assuntos. Trocámos palavras amargas que bem mais nos serviram do que a doçura dos nossos amigos. O acaso também nos separou mas numa altura em que ainda chorámos a distância.
Depois avançámos calmamente para as conversas de café. Na mesa ao lado duas amigas conspiravam contra uma terceira. Ao balcão uma outra mulher estava entediada de todos os seus amigos e só pensava no inimigo e no tanto que ele lhe dera.
Nem sempre são precisas tais adversidades. Num segundo, um rosto bonito e uma bela mão. Num minuto, a palavra mais a outra disparada sem querer.
É uma Fezada. Um salto no absurdo. Uma razia no escuro.
Está feito. É implacável, obstinada, tem força e é afiada...não se parte. É a nossa Amizade:
Flesh and Blood.
Patrícia H. e Catarina Miranda

5/09/2005

Depois dos Jornalistas, os Bloggers


“You are not allowed to put comments”/ “This post has been removed by the administrator”.
São dois dos poderes que o sistema blogger norte-americano dá a todos os autores/“proprietários” de blogs. É importante que existam para filtrar o desnecessário. O interessante, quando se viaja pela blogosfera, é verificar como é feito o uso desses poderes. É a sociedade em pleno funcionamento. É o espelho dos carácteres, das fibras e dos arcaboiços. É verdade que alguns apagam certos comentadores quando os comentários não aquecem nem arrefecem, quando são ocos e fúteis. Essa é, em minha opinião, a única justificação aceitável para os deitar no lixo. Ainda assim, jamais desejaria escrever num blog que o fizesse porque o oco e o fútil também fazem parte de nós. Normalmente os “bloggers” (as aspas referem-se a todos os que não o sabem ser) retiram comentários insultuosos ou maçadores ou, pior, pertinentes. Nunca conseguem estar à altura de um insulto ridicularizando-o; não têm arcaboiço para tirar proveito do que pode aborrecer. Não têm fibra mas têm um blog onde escrevem para serem lidos. É assim na blogosfera, é assim no jornalismo, é assim na literatura e é assim em todo o lado.
O lamentável no mundo dos blogs é o facto de poucos saberem dar uso à possibilidade de escrita sem constrangimentos editoriais. O lamentável é deitarem o que é bom no lixo e preferirem o conforto (como já referiu António Vergara em “A Blogosfera”) do amiguismo e dos comentários “bonzinhos e punheteiros” que lhes alimenta a ilusão de que o que escrevem naquele blog é bom e que lhes afasta a suspeita, o pressentimento, de que, na verdade, podem ser maus. É uma opção de vida, é uma orientação a que têm direito mas é também uma explicação para o processo de nascimento de uma fraude, de uma pessoa fraudulenta.
O António Vergara citou alguns exemplos na blogosfera portuguesa porque uma opinião deve ser ilustrada. Escuso-me a repetir alguns dos nomes que referiu mas a “reportagem” pela blogosfera obriga-me a apontar o caso, ainda que linkado, coisa que o Vergara se recusou a fazer.
O Blog de Esquerda chegou a chamar-lhe o “Leonardo da Vinci da blogosfera”. Com um olhar mais atento percebi que não passava de um mero favor de um potencial amigo no final de uma noite de copos, até porque, averiguando o grau de qualidade do blog deste “da Vinci”, seria difícil concordar com rótulo tão bombástico. Mas aí o problema seria apenas meu. João Pedro da Costa auto-intitulou-se o Lebowski da blogosfera, exibiu uma cultura musical sufocante que nunca o conseguiu enriquecer interiormente, textos enfadonhos, pouco desejáveis para a promoção ou sedução de qualquer grupo musical. João Pedro da Costa manteve sempre “limpa” a sua caixa de comentários e conseguiu que alguém (amigo ou não) o convencesse que o seu blog é publicável em livro, um fenómeno comum na blogosfera e em todo o lado. Não o critico. É de aproveitar. Eu não o faria. São oportunidades que nos podem queimar para sempre, a não ser tenhamos a certeza da verdadeira qualidade dos textos e tal só pode ser aferido por comentadores que não tenham qualquer interesse em agradar, ou não, ao autor. Mas esses, pude testemunhá-lo, foram removidos do blog e garanto-vos que não diziam só mal.
O que aconteceu, tal como dizia Balzac em relação aos jornalistas, é que fizeram sombra a João Pedro da Costa dentro do seu próprio blog e é por isto que resolvi dedicar tanto espaço a este “blogger”: para poder linká-lo ! Como o exemplo do director que com pavor da concorrência acaba por tornar o seu blog num espaço medíocre povoado de bajuladores. O blog merece referência porque, apesar de uma lógica bloggista deformada, se fizermos uma leitura atenta, constatamos que ainda resta uma centelha. Para não ficar apenas pelo mau exemplo vou sugerir uma blogger – Horas Perdidas – que já demonstrou o seu arcaboiço e sistema anti-spam pessoal. Não há comentário que ela não drible. No ténis, chama-se a isto ir à rede e arrumar o adversário que se torna assim num potencial amigo. Claro que a blogosfera e tudo o resto tem de ter os bons, os medíocres e os maus mas imagino o prazer que dá pertencer à elite da qualidade: aquela que nem precisa de usar os poderes que o sistema blogger norte americano lhe confere porque já os tem dentro de si.

Catarina Miranda

5/08/2005

A Minha Mulher IV

De repente veio-me à cabeça a imagem da Europa de pé. Uma mulher de roupas largas e com uma saia bordada a países de leste. Assim é a minha Eufémia. Só quando se despe é que se lhe nota os contornos perfeitos que tenta disfarçar com a França, com a Alemanha e com a Itália…que lhe esbambeia o braço. Quando me dirijo aos seus olhos, envergonha-se e quase tapa a cara com o cotovelo do Reino Unido. A minha mulher já não vem a casa há uma semana. Está doente com uma gripe…por minha causa. Contagiamo-nos durante a manhã de Sábado passado. Não posso fazer nada a não ser ter delírios inspirados em Camões e Pessoa, o costume…nunca saímos disto.
Eufémia tem a Península Ibérica à cabeça mas os seus olhos lusitanos, ao contrário de um daqueles cantos que tão cedo estudamos na escola, não fitam a Mauritânia…apontam apenas para mim.

Patrícia H.

5/04/2005

O Bife do Snob


“Todo o jornal que não aumenta a sua massa de assinantes, sejam eles quem forem, começa a definhar.

Um jornal, para ter uma longa existência, deve ser feito por um conjunto de homens de talento. Deve fazer escola. Desafortunados os jornais que se apoiem num único talento. Se o director tem ciúmes daqueles que têm talento e lhe são necessários, passa a rodear-se de medíocres que o bajulam e que transformam o jornal num mero negócio que não serve para nada. Nesse momento afundar-se-á para sempre o que poderia ter sido o melhor jornal de Paris”.

Vou também fazer desta a máxima sentença para a imprensa portuguesa (rádio e televisão incluídas). Quando leio, ouço e olho para a comunicação social sinto que a descrição de Balzac da imprensa parisiense acertou com a força de um bombardeiro na realidade em que vivo diariamente. Foi uma visão balzaquiana que se instalou à grande entre nós. Se experimentar passear-me e permanecer por um bom bocado nas redacções de uma rádio, de um jornal ou de uma televisão, não vejo o que tanta gente pensa que se vê por aí: “os medíocres a comandarem e os inteligentes dos subalternos a obedecerem a instruções absurdas para não perderem o emprego”. O que vejo é precisamente a proposição de Balzac e, para mim, tem sido esse o problema que afunda em lodo o jornalismo português. Grande parte das chefias, dos directores (nem todos) vivem no pavor que alguém lhes faça sombra com um bocadinho mais de imaginação do que aquela que eles já possuem. Aguentam a qualidade dos subalternos nos primeiros tempos, enquanto isso lhes for garantindo a audiência, mas assim que sentem as atenções, uma que seja, virarem-se, sistematicamente, para o tipo que lhes obedece, começam, muito devagar, a pensar que o chão lhes pode fugir dos pés. É daqui que surgem os jornalistas emprateleirados. Alguns deles são com certeza o topo de gama da informação. São também aqueles que, por vezes, se insurgiram contra o que parece mais óbvio, são aqueles que lhes pediram, aos chefes, uma argumentação profunda para o que os estavam a mandar fazer. Por exemplo: um director pede uma reportagem sobre a igreja portuguesa. O jornalista mostra-se disponível para o fazer e pergunta-lhe, ao director, quais os vários ângulos de abordagem, qual é a ideia que ele tem sobre o assunto, quem poderão ser as vozes da reportagem, se faz sentido falar com pessoas diferentes em vez de ir sempre aos mesmos, etc. Ele responde, quando responde. No caso do repórter apresentar diferentes ângulos para abordar a peça, querer filosofar um bocadinho sobre o assunto, começa a tornar-se incómodo, maçador, “chato” e "enrascado". Transforma-se rapidamente naquele tipo que empata mais do que “fode” ainda que a chefia saiba que a peça trazida por ele seria a mais rigorosa e explícita de toda a redacção. O chefe deixa de ter pachorra para o melhor repórter da sua rádio, do seu jornal, da sua televisão até porque, já agora, que a melhor peça jornalística acabe sempre nas mãos da própria chefia.
Resultado, os jornalistas estagiários ou principiantes ou ainda aqueles que culpam as chefias pela sua própria incompetência, são mandados de rajada para o Iraque, para um Tsunami ou para a eleição de um Papa. Os jornalistas que não levantam grandes ondas são compensados com as histerias das campanhas e dos congressos partidários onde se fazem acompanhar por um comentador do costume. Eu (e há pouca coisa mais pessoal do que isto) dou esticões no sofá quando vejo os jornalistas eficientes relatarem fluidamente a subida surpreendente de José Ribeiro e Castro à liderança do CDS sem que me façam sentir realmente que raio de surpresa é essa, por que será que ela aconteceu. Claro que é para isso que servem os analistas políticos mas também sei que, às vezes, só com uma frase, uma expressão, um gaguejar subtil e intencional, uma mão que se leva ao queixo no caso de uma entrevista, poderia trazer-nos a luz que está por trás da mudança para um líder tão diferente de Paulo Portas como o é José Ribeiro e Castro. O mesmo poderia acontecer com uma descrição mais perspicaz de uma figura como a de José Sócrates ou de Manuel Maria Carrilho. E acredito que isto seria possível sem nunca perder a neutralidade exigida a um jornalista, sem ter de recorrer a overdoses sucessivas de comentadores que vão ganhando boa parte do dinheiro que a maioria dos profissionais mal pagos da comunicação social poderiam ganhar (aqui arrisco-me a ser demasiado "sindicalista"...paciência). Dou esticões no sofá quando, por exemplo, vejo peças televisivas sobre um candidato político que começam “é entrar é entrar senhor candidato que a dona Fátima dos pastéis de Belém passou uma vida à espera de um dia como este”, adquirindo um estilo circense, ou que transformam uma peça sobre as vítimas do tsunami asiático na poesia bacoca com que sonharam durante a noite. Como se ainda faltasse aos desgraçados que ficaram sem casa e família chamarem-lhes “filhos de todos os deuses cujos olhos secaram porque as lágrimas se cansaram” como já vi acontecer.
Para não falar na moda de atribuir aos políticos de hoje a pobreza de discurso e de argumentação. Como se os políticos não soubessem que o jornalista anda de ouvidos ávidos de uma palermice estupenda que agite os espectadores, os ouvintes e os leitores que se pelam por uma boa anedota.
Voltando a Balzac e à sua Monografia sobre a Imprensa Parisiense onde se lê que os jornalistas se transformaram “em serviçais à procura de um tema que agrade à classe média e a faça sentir-se inteligente” e eis que temos algumas capas de revista e peças aterradoras disfarçarçadas de Grande Reportagem.
Não passam de alguns exemplos da mediocridade que se instalou na comunicação social portuguesa e que se pode ver ainda de outra forma. Se hoje experimentar ir comer um bife ao Snob, o bastião do jornalismo lisboeta, não deixo de sentir a simpatia e a boa vontade dos donos do estabelecimento, mas as conversas que se ouvem não são reproduzidas. Não por qualquer código de honra da profissão mas porque deixaram de ter interesse, porque não passam de tricas sobre o tipo que tirou o lugar ao outro, sobre a “gaja que subiu na horizontal”, sobre o director aflito com a falta de dinheiro que publica documentos falsos – mas bombásticos! – na esperança da boa venda. Ouve-se imenso o gajo que começa todas as frases por “eu; porque eu; e eu disse-lhe; e ele virou-se para mim…mas eu não lhe admito porque eu sou um gajo que nestas coisas…”. Ir ao Snob hoje em dia é sentir o estado medíocre a que chegou a lógica do jornalismo português. Por isso deixei de ver aquele espaço como “o cantinho familiar e confortável da conspiração editorial” e passei a sentir apenas a fumarada que embacia o ambiente, a fraca qualidade do célebre bife da vazia e o amargo de boca provocado pelo excesso de mostarda no molho onde flutua um bocado de carne. A vontade que tive, sempre que lá entrei, foi a de sair dali o mais depressa possível para ir apanhar ar e comer hortaliça à dentada.Nestas alturas penso sempre, não devo ser a única: “se eles soubessem o prazer que dá dirigir e pertencer ao «melhor jornal português», coisa que neste momento não sei o que é.
Catarina Miranda

Luiz Pacheco: grande entrevista no Esplanar



A não perder a grande entrevista ao escritor Luiz Pacheco. Leitura disponível no Esplanar.

4/25/2005

LUIZ PACHECO, "O MEU 25 DE ABRIL"


*


Este texto foi escrito originalmente a 30 de Maio de 1974 e fazia parte de um diário que Luiz Pacheco começou a escrever em 1971 e que em breve será publicado pela Dom Quixote (com o título Diário Remendado e fixação de texto e posfácio do João Pedro George). Por decisão do próprio Luiz Pacheco, este “O Meu 25 de Abril” acabou por ser excluído da edição final. É assim no contexto de uma escrita diarística, ao correr dos dias e sem grande apuro estilístico, que este documento deve ser lido. Luiz Pacheco vivia então em Massamá e estava em casa a rever as provas do Pacheco versus Cesariny (editorial Estampa, 22 de Maio de 1974). “De repente chateei-me, não tinha telefonia, não tinha televisão, não tinha nada, chateei-me de rever provas e digo «vou ali beber uma cerveja». Enfiei o sobretudo por cima do pijama, um sobretudo que me tinha sido dado pelo Alfredo Machado, o terceiro marido da Natália Correia. Quando venho de beber a cerveja o barbeiro diz-me «ó senhor Pacheco, olhe que há revolução em Lisboa»”.

O MEU 25 DE ABRIL

Estou na cama de manhã e aproveito para apontar na Agenda o tempo que passa. Tinha ficado na véspera em casa a rever provas. O puto fora para o liceu. Resolvo ir à rua beber uma cerveja e continuar a revisão. Ao pé do chafariz, o barbeiro atira com esta: “então, o Marcello e o Thomaz lá foram ao ar...” Não percebo logo. Nem acredito como. Mas ele confirma: a Emissora Nacional não funciona, só o Rádio Clube Português é que dá música e de vez em quando comunicados breves. Já mais convencido, convido-o logo a festejar na tasca da Laurentina que era para onde eu ia. E depois, ainda duvidoso, vou com ele à barbearia a ver se oiço algum comunicado. Música ligeira, sem nada de marcial. Canções populares portuguesas, pouco mais. (Até a Amália, parece-me!). Mas passados minutos um comunicado do Comando das Forças Armadas. Aí, adquiro a certeza que é, deverá ser a repetição do golpe das Caldas, mas com outra amplitude. Refere que o público tem ocorrido às lojas, em tentativas de açambarcamento, e manda fechar o comércio. Aconselha a população a manter-se nas suas casas e as forças militares e militarizadas a recolherem aos quartéis e não oferecerem resistência à tropa. A coisa é grave. Parece que não há comboios e para lá de Sete Rios não se passa. Tenho algum dinheiro e resolvo logo ir ver (foi o melhor que fiz: ver para crer). Desço acelerado e vou a casa do Fernando Paços, perguntar se ele sabe alguma coisa. Se sabe não diz. Mas confirma. Acompanho-o à farmácia de Queluz Ocidental e depois (ele aconselha-me que não vá a Lisboa, pois não conseguirei passar – mas eu conheço outro sítio para entrar, ou sair, da minha terra e caminho acelerado. Muitos carros, em fuga discreta?) para cá. Em Queluz, já vejo lojas fechadas, outras a fechar à pressa e uma data de tontos a abastecerem-se para o ano todo... oiço que um tal comprou mais de cem pães. Rica açorda (ou negócio) deve ter feito com eles. Cafés fechados. Há comboios. Meto-me num para a Amadora, depois sigo a pé. No Bairro do Bosque (sempre o intenso movimento de carros a saírem), ainda consigo meter um copo. Não há jornais. Rostos, com as janelas fechadas, assomem entre cortinas. Tudo me dá a ideia de receio (mas em Queluz vi alguns magalas a planar, o que me deixou intrigado). Venho a pé até às portas de Benfica e o ambiente é o mesmo: fila de carros a safarem-se, comércio encerrado, mulheres com sacos de plástico cheios, tensão. Meto-me num autocarro da Carris, de Benfica para o Chile e fico-me um tanto a rir do Paços, que em Lisboa e a andar para o centro já eu vou. No Chile, só uma taberna aberta: bebo mais um copo, estou nas lonas. Animação. Um tipo ao meu lado compra 8 maços de Português Suave, também está a açambarcar ou a fumar aquilo diariamente habilita-se a um cancro nos pulmões em beleza e rápido. Aparece gente com jornais (A Capital) e sei que estão a vender para os lados do Império. Vou logo lá, sento-me num degrau e sei as primeiras notícias. Tá bem! Resolvo ir a casa do Henrique, ver se ele estará. Na Carlos Mardel, uma senhora num 1º andar pergunta-me onde vendem jornais. Digo e ofereço-lhe o meu. O marido, que vinha à rua, fica com ele e eu fico reduzido a 30$00. Começo com sede e angústias. Estou em jejum e já andei um bom bocado. Penso ainda ir ao Manaças (António) mas desde a última vez, desde a nossa última conversa, ele não me está a apetecer. E depois, o importante deve estar a acontecer na Baixa. Enfio ao Montecarlo (fechadíssimo) mas consigo topar um tipo a bater à porta da Mourisca (também fechada) e entrar. É que há gente. Vou, bato, o Costa Loiro está a forrar vidros por dentro com papel, talvez com receio dalgum obus. Peço-lhe vintes e ele despacha-me. Meto à Rua Viriato e vou até ao quartel de Santa Marta (todas as tascas fechadas até ali). Dá-me vontade de rir ver os cabeças de nabo reunidos lá dentro, a falarem uns com os outros (é que obedeceram às ordens?). Mas logo ao lado há uma tasca restaurante, porta meio aberta, com gente e muito movimento (guardas a beber, outro a telefonar para casa e sossegar a mulher (?), diz que não há azar). Bebo uma Sagres e como uma sandes. E avanço para a linha de fogo, que não sei onde é. Metros andados, ouvem-se ao longe tiros e rajadas de metralhadora. Tipos que fogem. Mas onde será o tiroteio? Como a coisa parou, continuo a andar. Até que encontro, já não sei onde, o Almeida Santos e um tipo que é revisor no Diário de Lisboa ou no Popular, já não sei. Metemo-nos num táxi que sobe pela Calçada do Carmo. Mas logo populares avisam (ah, entretanto, perto do Tivoli, já tinha comprado um Diário de Notícias, com mais informes) que a rua está bloqueada. O carro faz marcha-atrás e mete (por onde?) para o Bairro Alto. Bebemos não sei o quê numa tasca, o revisor vai à vida, o Almeida Santos pira-se e eu avanço para os lados do Carmo. Na Rua da Misericórdia, muita gente, tropa e um tanque de respeito. Da janela da Redacção da República, o Vítor Direito e o Afonso Praça (aquele grita-me: “estás muito bonito hoje!”, eu levava o sujíssimo albornoz que me deu o Artur), noutra varanda o Álvaro Belo Marques, a quem pergunto: “como é que se entra para aí?”, porque a porta da escada da República está fechada. “Vai pelas traseiras!”. Vou mas também está fechada e logo à esquina aparece um vendedor com a última da República. É um verdadeiro assalto. Aí fico a saber dos chefes (Costa Gomes e Spínola) e o alvoroço é enorme. Já não sei bem: se vim ao Rossio, se de repente notei uma grande correria para o Terreiro do Paço. Sem perceber nada do que se passa, sigo a onda. No Terreiro do Paço, começa a chover. Há correrias e encontro uma rapariga que me conhece muito bem mas não topo logo. É a Maria João, a engenheira química, amiga do Henrique, com outro rapaz. Ficámos abrigados da chuva debaixo das arcadas, depois convenço-os a irem beber um copo ao Terreiro do Trigo (Campo das Cebolas?), não sei já se estava aberto se não. Ela tem o carro no Camões e para aí vamos. Mas o Chiado está cheio de gente, que quer assaltar a Pide. Já não sei se ouvi tiros. Vi ainda as (uma?) ambulâncias, depois quase à porta da Brasileira um rapaz ou homem com a mão cheia de sangue (seco?), que tinha agarrado num rapaz ou rapariga. Começam a chegar fuzileiros, há mais correrias, a Maria João e o rapaz perderam-se de mim. Cheira-me que já chega. Agarro um táxi e arranco para casa da São. Pela TV vi depois o resto. Foi bonito e foi rápido. Já posso morrer mais descansadinho.

Luiz Pacheco
*(edição de imagem de Paulo Araújo)

25 de Abril: 31 Anos

4/22/2005

Projector Gigante




Grupo de católicos inspirado pelos dons de comunicação de João Paulo II testa projector gigante para levar a fé a outros planetas. João Carlos Espada, Padre Frederico, Paulo Portas e a família de cançonetistas Câmara Pereira estão entre os promotores.
Tiago Fernandes

4/21/2005

Mikado



A miúda, cada vez que se atirava ao General deitava os outros por terra. Majores, tenentes, sargentos e soldados eram todos varridos pela manga da camisola da criança que queria sofregamente acumular os 20 pontos do espigão branco, o General. Era desastrada e ficava sempre em último lugar. Mesmo quando se continha e resolvia pegar antes num mero soldado para garantir dois pontos, dava um abanão nas pernas da mesa e fazia tremer a hierarquia militar. A desclassificação era automática. Começou a ficar com medo de jogar Mikado. Artur e Gilberto eram os parceiros de jogo, um ano mais velhos . O primeiro tentava aconselhá-la, o segundo bloqueava a cara, torcia para que ela não mudasse nunca e habituou-se à vitória “120 pontos, ganda baile!”. Uma tarde, a miúda não saiu de casa e ficou sozinha às voltas com o Mikado. Prometeu-se que dali não saía até ter pontuação suficiente para atirar à cara dos vizinhos. Sem pressões conseguiu somar 67 pontos mas não havia ninguém para os exibir. Estava a ficar com mau perder. Teve um ataque de raiva e atirou com os espigões ao ar. Ao caírem, um deles, um soldado vermelho, ficou preso num dos livros da estante dos pais. Cheia de raiva ao Mikado resolveu fazer uma pausa e dar uma vista de olhos n´Os Mineiros do Alasca do Emilio Salgari, o do Sandokan. Deteve-se num episódio em que três amigos tentavam fugir de um urso, um dos mais pacientes do reino animal. Só a custo lhe conseguiram escapar, tiveram de ficar três dias escondidos numa gruta até o urso desisitir e mesmo assim afastaram-se sempre a olhar por cima do ombro.
A leitura ficou por aqui, a miúda nunca conseguia chegar ao fim de um livro mas voltou ao Mikado e chamou o Artur e o Gilberto.
De novo à mesa, apertou os espigões com força e deixou-os cair. O General não ficou acessível, apenas um major amarelo e dois soldados vermelhos. “Tem calminha miúda, não tens idade para generais e para que é que os queres se não tens soldados, vê lá se cresces miúda” disse-lhe Artur. “Sim, sim, com esses conselhos a coitada da rapariga há-de ir longe...” reagiu Gilberto. Com todo o cuidado pegou nos soldados e no major e depois, sem querer, voltou a abanar a mesa. 14 pontos contra os 50 e os 100 dos parceiros. “São dois gandas ursos” pensou a miúda, “vou ter de esperar uns bons anos para ver se me desamparam a loja”.
MIKADO:
* Número ilimitado de jogadores
* Contém: 1 vareta branca (General)-20 pts
5 varetas amarelas (Majores)-10 pts cada
5 » azuis (Tenentes) -5 pts cada
15 » verdes (Sargentos)-3 pts cada
15 » vermelhas (Soldados)-2 pts cada
Atenção:Não aconselhável a menores de 3 anos pois contém peças aguçadas funcionais.
Catarina Miranda

4/20/2005

Marxismos Imaginários II




Dei um salto, como se tivesse apanhado uma chicotada. Atendi o telefone. Era o Pedro. Ela deixou-se cair na cadeira e acendeu um cigarro. É preciso ter muita lata. Chegar aqui com aquela atitude «e o resto do mundo que se dane». Aquela petulância de quem conhece a vida, muito senhora do seu nariz. Deu-me uma ponta de febre. Apeteceu-me trincá-la. Aquele corpo cheio de carne, a pele morena. As feições rústicas, simples. Nada de bâton nos lábios nem ganchos nos cabelos, nada nas pestanas, nada nas pálpebras. As sobrancelhas espessas, negras como um corvo. Os contornos da perna, as mãos quase aristocráticas. O gesto de pôr os cabelos para trás da orelha. Com as duas mãos corrigiu o penteado na nuca. Conheço o truque: não era tanto arrumar os cabelos soltos mas sim esticar os dois seios, pô-los em evidência. Depois puxou o vestido um pouco acima dos tornozelos. Apetece-me fazer-te um minete. Comer-te! Foder-te! Tinha o caralho a rebentar das calças. O Pedro pediu-me para apontar a morada da casa da miúda dele, onde o iria buscar no dia seguinte. Sim, amanhã íamos a Marrocos. Não me apeteceu dizer-lhe que já não ia com ele. Apertei um colhão por dentro do bolso das calças, alojei melhor o caralho, encostei o auscultador entre a cabeça e o ombro e escrevi o endereço. Desliguei o telefone.
Peço desculpa aos leitores pela indiscrição, pelas palavras indecentes, mas jurei a mim mesmo não omitir nada, dizer tudo, contar esta história tal como a vivi. Que me perdoem também as mulheres protagonistas destas histórias. A vossa identidade ficará só entre nós. Ou seja, entre mim e elas. Não sou escritor. Por isso receio não conseguir pôr qualquer ordem na minha narrativa. Com estas páginas pretendo tão-somente reviver, de certo modo, a minha juventude. Isto que aqui relato não é mais do que a realidade. E isto é só o princípio.
«Como se chama?», perguntei-lhe. «Diana», respondeu. Esmagou o cigarro no cinzeiro. Fiz-lhe nova pergunta: «toca algum instrumento?» «Não», disse ela, pousando um dedo no lábio inferior. «É que tem mãos de pianista...» Agarrou-se a mim. Beijou-me. Foi como saltar no vácuo, do alto de uma falésia. Reconheci aquele momento como algo de que me iria lembrar no futuro. O gosto a cinza. O hálito a resina. O bramido de uma leoa sedenta de amor. Pus-lhe a mão debaixo das saias. Tinha a rata orvalhada. Ouvi a porta do gabinete abrir-se. Era um colega meu, um professor velhíssimo, um velho libidinoso. Os académicos acabam todos assim. Arrastava-se por ali desde o Tratado de Tordesilhas. Entrou. Olhou-nos. «Boa tarde». Sentou-se na secretária. Felizmente não reconheceu a Diana como aluna do curso. Despedi-me, que estávamos de saída, que ficasse à vontade.
Directamente para casa dela. Fazer a mala e o mais que nos apetecesse. Desembarcámos do táxi. Vielas, becos, ruas com andaimes e escoramentos, prédios entaipados e desabitados. O átrio da entrada era iluminado por uma pequena lâmpada nua, suspensa no tecto. As paredes da entrada eram verdes como o tecido de uma mesa de bilhar. Entrámos. Senti humidade, frescura de adega. Instantaneamente, fotografei o interior da casa com os olhos. A sala, com as paredes inteiramente tapadas por livros, alguns quadros engordurados pelo tempo e pelo fumo dos cigarros, duas janelas, uma grande mesa no meio. No quarto, o amassado da roupa nas costas das cadeiras, roupa espalhada por todo o lado, parecia que tinha explodido uma granada no guarda-vestidos, cuecas sujas no chão, o cheiro a deboche, a desmazelo. Um quadro digno de um pintor qualquer. De volta à sala, disse: «despe-me!» Era uma ordem e, simultaneamente, uma súplica. Disse-o de uma maneira que soou sedutora, embora essa não fosse provavelmente a intenção dela. Furioso, com o ímpeto de Napoleão para arrebatar a Europa, comi-a com beijos. Ela mordia-me os lábios com os seus. Trinquei-lhe o lóbulo da orelha, franjado de penugem de fruto, os braços febris, convulsivos. Os meus dedos cavavam na carne, desenhavam-lhe sulcos na pele das costas. Meti-lhe uma mão entre as pernas e senti a pressão do ventre, através das saias. Despi-a. Beijei-lhe as duas coroas negras dos seios. Afastei-lhe bem as coxas e, com as duas mãos, abri-lhe a carne sumarenta e comecei a dar à língua, a fazer-lhe um minete no sofá. Pus-lhe depois um dedo na cona e outro no cu. Os olhos dançavam-lhe debaixo das pálpebras semi-fechadas. Tinha o coração entre as pernas. Esticou as pernas até à extremidade do sofá. O espasmo retesou-a, pô-la trémula. Levei-a então para o quarto e caímos os dois em cima da cama. «Gosto de foder contigo. Condiz com a minha personalidade. Ficas bem debaixo de mim». Ela disse que estava a ter descargas eléctricas, que tinha as orelhas a ferver. Baixou-me as calças e masturbou-me durante uns segundos. Depois enfiou-o na boca, enquanto o cabelo, disperso, se espalhava sobre as minhas virilhas. Lambeu-me os testículos (o meu nome é caralho e sou um soldado da I Guerra Mundial. Isto é o meu caralho que está a escrever). A partir desse momento o meu pénis ganhou vida própria, desobedeceu-me. Tinha o cérebro como carvão a arder. Chapinhei na mata espessa, no lago entre as pernas. Falei-lhe, ao ouvido, do amor e do prazer nos termos mais indecentes, utilizando palavras que queimam. Bateu-me no peito, mordeu o lençol, mexeu-se numa grande desordem, a contorcer-se, a debater-se. Mordi-lhe o pescoço, debaixo dos cabelos. «Vem-te cabrão vens-te ou não te vens», disse aquilo sem vírgulas, sem pontuação, com os músculos tensos, os cabelos agitando-se como chamas. Por Vénus! Isto sim que é mulher. «Mais depressa!» A cama, desconjuntada, estalava com os meus safanões furiosos. Como um vigoroso Hércules senti toda a minha força de homem agitar-se furiosamente por cima dela, as minhas veias estavam inchadas. O sobrado cedia e ameaçava estalar. O jorro quente, por fim, mais branco que as neves do Kilimandjaro. Naquele momento seria capaz de entrar no fogo sem me queimar, de entrar na água sem me molhar. Ela parecia esgotada, rubra de calor, com os cabelos em desalinho. A minha perna esquerda distendeu-se, doeu-me, senti uma cãibra. As mamas ainda arfavam quando rebentou numa gargalhada que se espraiou pelo quarto como uma onda. Ria doidamente. «Estrondoso, parece que fiquei sem cérebro, descerebrada!». Desprendeu-se de mim, levantou-se, “fazes-me peso, sinto-me esmagada”, e foi à casa-de-banho. Pensei: detesto ouvir gajas a mijar. Mas logo depois comecei a ouvir o barulho da água a cair na banheira. Ia tomar banho. Estava mesmo a apetecer-me ficar sozinho, deitado na cama, a olhar para o tecto. No 1º andar havia grande alvoroço, risadas, choque de vozes, ruído de portas. Vesti as cuecas e sentei-me na cama com as costas apoiadas numa almofada. Servi-me da garrafa de whisky que estava na mesa de cabeceira. Atingiu-me o estômago com uma explosão de calor. Sem pensar, e enquanto esperava por ela, peguei no livro mais próximo, no chão mesmo ao lado da cama, e abri ao calhas. «Eu mijava contra uns caniços nas traseiras da cubata (mijar depois de foder é a primeira condição para prevenir doenças venéreas) debaixo de um imenso rebanho de desconhecidas estrelas, incrustadas em veludo negro como diamantes pontiagudos, minúsculos. Sentia ainda as mãos, no pescoço, no peito, um aroma passivo, um aroma obediente de mulher. (...) Os internados da 8ª enfermaria, à falta de mulher, penetravam às escondidas com o pénis as nádegas uns dos outros, ou masturbavam-se no refeitório, de boca aberta, manipulando com os pulsos desajeitados os tufos magros da braguilha.» Benza-os Deus! António Lobo Antunes, O Conhecimento do Inferno. Li sem prazer e sem aborrecimento. Fechei o livro, deixando um dedo entre duas folhas para marcar aquela página. Fixei-me nas costas da cadeira onde ela deixara as meias e as cuecas, nos vestidos pendurados no criado mudo. E o Pedro? Que se lixe. Ele que fique em Lisboa a engordar, a beber e a perder a memória. Depois, para o compensar, trago-lhe de Marrocos uma bolota, o haxixe que começa a borbulhar assim que aproximamos a chama do isqueiro e se cola aos dedos e ao tabaco como plasticina, como chocolate derretido. Mas lembrei-me subitamente de a Diana me ter dito que ontem tinha ido para a cama com o Pedro. Aquilo picou-me como uma vespa. O sangue fluiu-me no rosto. Senti um vago ciúme. Senti ganas de a mandar para o diabo, de cortar o pescoço do Pedro. Olhei para o meu pénis, estava flácido, pendente. Apeteceu-me enrolar um charro, fumar, ficar com o cérebro dormente, sentir o formigueiro. Depois de vários minutos a levantar diversas peças de roupa, a atirá-las para o ar, encontrei finalmente as minhas calças. Trazia sempre pequenas pedras de haxixe soltas no bolso, como se fossem rebuçados. Desprendi uma folha do livro de mortalhas, espalhei metade de um cigarro na concha da mão, fiz o filtro a partir de uma pequena tira de cartão que enrolei com a ponta dos dedos, um filtro pequeno (quanto mais pequeno o filtro maior a moca; quanto maior o percurso que o fumo percorre, mais resina fica no filtro ou no papel, menor a pedrada). Coloquei depois a pedra de haxixe em cima da lâmpada acesa da mesa de cabeceira. Deixei-a a aquecer durante 3 minutos, o cheiro denso da droga começou a invadir o quarto. Antes de enrolar, pus um risco de coca por cima do tabaco já misturado com o haxixe. Fumei, retendo o fumo nos pulmões o máximo de tempo que conseguia. Expeli o fumo, tossi violentamente, senti o farfalhar dos pulmões. Ao fim de cinco minutos já tinha os olhos intoxicados, dilatados, brilhantes. A boca começou a secar. Engolia a saliva com esforço. As raízes dos cabelos crepitavam. Os raciocínios, em salto de cavalo, ecoavam no cérebro. O coração começou a bater com uma rapidez espantosa. Sentia-me vivo como uma flecha, tinha ideias para encher várias Bibliotecas de Alexandria. Os meus pensamentos planavam muito alto, como grandes aves de rapina. Na minha cabeça havia legiões romanas a chegar e a partir. Aos meus ouvidos chegavam os passos dos soldados a marchar, naquele turbilhão de joelhos mais rápidos que os sentimentos. As palavras voam-me da língua. Estão de passagem mas não têm a culpa. Divagava, melancólico. Ia deixar-me adormecer quando a ouvi falar. Ao telefone. «Era para lhe dizer que está tudo bem. Com quem estou...? Claro, claro que sim... Como é que está o tempo aí? Aqui está calor. Tenho feito tudo certinho. Sim, não me esqueço, para a semana, quinta-feira, às 16h.» Desligou. Prostrou-se à porta do quarto. De cuecas, com uma toalha na cabeça como um marajá. Calçava meias pretas, compridas, subidas acima dos joelhos, como uma interna no colégio. Cheirava a banho quente, a água escorria-lhe ainda pelo rosto, como metal. Reparei que tinha um ombro mais alto do que o outro. Com a ponta do dedo indicador molhada de saliva fiz uma gravata e passei-lhe o charro.

António Vergara

4/19/2005

A Minha Mulher III

O Sábado trouxe-me finalmente a Eufémia. A casa tinha chegado àquele ponto de desarrumação em que só nos apetece fugir. Não havia um prato ou um talher lavado, o sofá tinha substituído a cama pouco convidativa, o chão tinha areia e pó e eu andava a comer sopas knorr há uma semana. Não me apetecia fazer absolutamente nada a não ser esperar pela Eufémia e fazer-me de vítima.
Quando meteu a chave à porta e entrou vi-lhe claramente uma expressão de quem tem vontade de desaparecer ou de me espancar, de quem se arrependeu por trazer na mão um ramo de orquídeas para me oferecer e me provocar. Ela sabe perfeitamente que as flores me cheiram a velório. Fez um esforço sobre-humano, ignorou o desalinho doméstico e entrou num monólogo enfadonho e interminável. “Se a D. Patrícia pudesse imaginar a inteligência das flores”. Tentou convencer-me de que o facto de elas estarem paradas e em silêncio esconde a mais pura revolta contra o destino. Porque as flores conseguem libertar-se do escuro das suas raízes em direcção à luz do sol, porque são ambiciosas e teimam salvar-se, por cima, à fatalidade de baixo. Conseguiu provocar-me uma gargalhada, fazer com que me levantasse do sofá e começasse a varrer o chão da sala. Perguntei-lhe onde é que tinha ido buscar aquela ideia e ela tirou do saco um livro pequenino chamado “A Inteligência das Flores” de um tal de Maurice Maeterlinck. Pediu-me autorização para ler algumas passagens enquanto eu arrumava a casa. “Força! Mas acho pouco provável que mude de ideias em relação às flores”. Eufémia encolheu os ombros e leu-me numa voz desafinada:
“Nunca me esquecerei do admirável exemplo de heroicidade de um enorme loureiro centenário. Lia-se facilmente no seu tronco, torturado e convulsivo, todo o drama da sua vida tenaz e difícil. Desde as suas primeiras horas, enviara as cegas raízes à longa e penosa busca da água incerta e da terra vegetal. Mas isso era apenas o cuidado hereditário de uma espécie que conhece a aridez do Sul. A haste juvenil tinha de resolver um problema muito mais grave e mais inesperado: a árvore rompia de um plano vertical de maneira que a sua fronte, em vez de se erguer para o céu, se inclinava para o abismo. Fôra pois necessário, apesar do peso crescente dos ramos, emendar o primeiro impulso, dobrar o tronco, pertinazmente, ao nível da rocha e – como um nadador que deita a cabeça para trás,-manter assim, por um esforço de vontade, por uma contracção incessante, bem direita para o firmamento a pesada corôa de folhas”.
Quando acabou a leitura, Eufémia ergueu os olhos e ficou à espera que me desdobrasse em elogios e em curiosidades do tipo onde é que descobriu esse Maeterlinck. Continuei a varrer, não olhei para ela e disse-lhe: “Se não fosse a Eufémia com os seus livros de “auto-ajuda” esta casa ficava um nojo. Pronto acabei de varrer”. Eufémia largou o livro, arrancou-me a vassoura , agarrou-me o maxilar direito com uma mão e mais uma vez tentou beijar-me. Só que agora não deixei, prendi-lhe os ombros, encostei-a à parede e beijei-a eu. Ficámos nisto quase dez minutos até que ela sugeriu que fossemos mudar os lençóis da cama. Beijei-a de novo e disse-lhe que ficava para o próximo Sábado.
Patrícia H.

4/18/2005

Rabisco

Dias Internacionais


Castelo de Penedono, Concelho de Meda

O maravilhoso mundo dos Dias Internacionais da Luta Contra a Droga, da Mulher ou do Piriquito Gilberto, diz-nos que hoje, 18 de Abril, é o Dia Internacional dos Monumentos e Sítios Históricos. Feliz dia!



PS: Decidi acrescentar algum teor cultural a este blog (alguém tem que fazer o trabalho sujo) inaugurando uma coluna com os Dias Internacionais. Futuras publicações: Diário para Ela e Diário para Ele.

Ana Ataíde

4/16/2005

Um homem com quem apetece conversar



Há 15 anos estive no Brasil. Foi uma viagem de família que, segundo a memória fraca da minha mãe, não correu como deve ser. Eu andava mal disposta, o meu irmão perdeu a bagagem. Percorremos vários aeroportos onde encontrámos alguns actores da novela das oito.
Dessa viagem ficou-me o nome de Oscar Niemeyer. Na fotografia aí de cima, Oscar devia ter mais ou menos a idade que tenho hoje... quer dizer... vendo bem, tem bastante mais (a mania do tiro no pé). Tem uma expressão viva e convicta, um olhar prometedor, bem longe do tipo contentinho convencido de si próprio mas que, na verdade, não passa de um pateta. Ouvi falar dele quando cheguei a Brasília numa camioneta com ar condicionado e com um guia que numa ordem fez com que todos nos equipássemos com litros de água:
“Atenção, minha gentche, aqui o sol não brinca. Em nenhum outro lado do país faz mais calor do que em Brasília. Aqui não dá meismo páguentá. Quem se atrevê a ir lá prá fora sem água pódji morrê disidratádô ou começá tendo miragem”.
Quando saímos foi um alívio. Pela primeira vez em todo o Brasil eu voltei a sentir o mesmo calor seco de Lisboa. O grau de humidade era zero e a temperatura chegava quase aos 50 graus. A isto estava habituada, ao calor húmido é que ainda não. Nem por uma vez levei a garrafa de água à boca. O guia desmultiplicou-se em explicações e historietas sobre a “cidade perfeita” e o seu arquitecto de apelido alemão e com ascendência portuguesa, árabe e até talvez africana.
Em síntese, para quem não a conhece, é uma cidade resolvida, correcta e impecável. Nos blocos habitacionais ninguém precisa de sair para ir às compras ou levar as crianças à escola, está tudo encastrado no condomínio. Estradas largas e suaves com pequenos desvios para clubes desportivos e de convívio. A cidade é recta, a arquitectura é curva e elogiada mundialmente. É limpa. O guia informou-nos que a “cidade perfeita” era onde se registava a maior taxa de suicídios do país. Achámos natural mas ao longo destes anos apenas hoje, durante uma dor de dentes e uma breve passagem pela entrevista a Nyemeyer na revista Sábado, voltei a olhar atentamente para a sua expressão, agora com 97 anos. Nunca confirmei se a história dos suicídios era verdadeira, imagino que seja mas sempre desejei que fosse o próprio Oscar a explicar-me como é que encarava a consequência da sua cidade. Sempre o admirei porque foi ele quem me fez sentir pela primeira vez a importância e a gravidade da arquitectura na vida de um povo, ainda que seja o mesmo homem que diz que “a arquitectura não ajuda em nada porque esteve sempre voltada para as classes dirigentes” e que sentir e ser cordial é mais importante do que todo o seu trabalho. Acredita que o comunismo ainda pode melhorar a vida, vive e adora o caos do Rio de Janeiro mas se voltasse a construir Brasília não mudaria uma vírgula. Recusa a legenda do revolucionário e assume sem hesitar a do revoltado, sabe que se ama ou se odeia a “cidade perfeita” mas sabe também que no mundo não há outra igual. Oscar Niemeyer tem hoje a expressão de um dos poucos homens com quem eu mais gostaria de conversar.

Catarina Miranda

4/15/2005

Ensaio Sobre a Liberdade

Entrei em casa da Maria. Estava frio e as paredes estavam sujas. Despe a camisa. Disse. Levantei a cabeça num movimento brusco. Apetece-me foder! E foi tudo, um pensamento obsceno e uma exclamação. Apetece-me, caí para atrás e encostei a nuca à parede. Segurava na mão esquerda um saco com duas garrafas, uma de whisky outra de água. Começou a falar, desconexa. Não quero saber como consegues continuar nessa vida... continuar a beber sem fazer nada... sem trabalhar... nessa tua passividade obtusa... Como é possível estar neste estado?, pensei, já não me aguento em pé, sinto-me mal-disposto, acho que vou vomitar.
Fui até à casa de banho. Abandonei o saco, bati com a cabeça na parede, não me importei, continuei, entrei, sentei-me junto à sanita gelada. Pouco me importava se estava mal ou bem. Tanto me fazia. Vomitei mas não me libertei do cordão umbilical do vómito espesso que saía da boca. Senti uma mão a passar pelo cabelo. Com delicadeza. Era bom sentir uma mão tranquila, sem perguntar nada, sem falar, apenas a tocar-me. Disse que a amava. Parecia tão sincero, senti-me sincero.
Acordei. A sinceridade perdeu-se às três da tarde, quando dava uma olhadela no quarto, onde ela dormia, semi-nua, em cima dos lençóis. Não quero nada daquilo, pensei. Saí de casa, entrei num café. Enquanto segurava a chávena de café no ar olhei confuso o movimento da rua e as mulheres que passavam. Bebi em pequenos goles até o açúcar escorrer, castanho, pelo lábio inferior. Poisei a chávena, acendi um cigarro amarrotado e húmido. Recostei-me nas costas da cadeira. Lembrei-me do encontro que tinha com um colega da Faculdade, o meu orientador de Doutoramento. Às seis e meia da tarde aqui no meu gabinete. Temos de projectar o trabalho de investigação da próxima semana. Disse-me uma semana antes.
Apanhei um táxi. Para a Av. de Berna, por favor. Tenho pressa. Um pouco mais depressa. Não posso ir mais depressa, o trânsito está um inferno. Saio aqui. Está bom assim. Obrigado. A porta bateu com força. Boa-tarde professor. Trouxe o que lhe pedi? O quê? A recensão do artigo sobre o Tocqueville? Esqueci-me! Sente-se aí. Sentei-me. O que é que você julga que anda aqui a fazer? Tem de trabalhar, caso contrário não acaba isto. Você está na corda bamba. Eu sei, quase sorri.
No passeio, em direcção ao Campo Pequeno, senti um braço tocar-me o ombro. Fixei os olhos verdes e grandes de uma amiga. A Susana. Estás bom, rapaz? O que é que tens feito? Vem comigo, disse, foge comigo, vamos de comboio, até ao norte. Apanhamos agora o comboio. Estaremos em meia hora em pleno campo. O que é que tens? Nada, quero ir-me embora até ao norte. Estás doido? Adeus.
Afastei-me. Um whisky, por favor. E gelo, também. Não parei de beber até me ter lembrado, duas horas passadas, de telefonar ao Luís. Vem daí beber uns copos comigo. Estou aqui na Av. 5 de Outubro, num café. Não fiquei à espera dele. Não me apeteceu. Ele que nunca mais me falasse, que me esquecesse. É tão bom esquecermo-nos destas coisas, pensei. Apanhei o comboio. Nunca mais pensei na Maria.

António Vergara

4/14/2005

A Vida Dura: Auto-Retrato de Manuela Ferreira Leite


"Temos de lhes ensinar o que é a vida dura"




Sempre gostei de algarismos. Sinto uma atracção incoercível por taxas de juro, índices de inflação, dividendos, rendimentos, quocientes financeiros. Tudo isso desperta em mim uma forte sensualidade. O prazer sublime das estatísticas e dos cálculos de probabilidades, a elegância das demonstrações matemáticas e das curvas em sino, a capacidade de emocionar-se com a subida e a descida das acções da Bolsa. As obras da natureza não me suscitam tanto interesse como as criações humanas. Bem sei que as fontes de prazer variam consoante o indivíduo e que há pessoas que apreciam mais a estética do pescoço de uma girafa ou de uma fileira de elefantes. Compreenda-se: esta inclinação para os números é superior às minhas forças.
Detesto a desordem, não tolero a incerteza. O caos provoca-me aversão e o improviso produz-me arrepios. Qualquer indício de desleixo sufoca-me. A visão de gavetas onde se misturam, confusamente, miscelâneas de objectos, trapos, fitas, bocados de coisas, provoca-me calafrios. Cultivo as regras e a disciplina, não o acaso, o imprevisto, o golpe de sorte. Pessoalmente, considero que tudo existe para ser arrumado, catalogado, contado. É da organização que eu gosto. Em cada mínimo detalhe preciso de ter uma sensação de eficiência e de arrumação. A minha casa é um mundo de ordem e de asseio, nada está fora do lugar. Tudo está segundo as regras, como deve ser.
Há em mim uma nostalgia da ordem originária. Talvez por isso sinta uma necessidade inadiável de perfeição e de simetria. Os meus livros estão alinhados nas estantes pelas cores das lombadas, assim como as minhas roupas, dobradas e arrumadas por cor. Detesto quadros tortos nas paredes. O volume do rádio tem de aparecer sempre em números pares. No frigorífico, os produtos estão arrumados de acordo com a roda dos alimentos. Peso escrupulosamente aquilo que como e sei com precisão os seus ingredientes. Dos peixes a pescada é o mais rico em potássio enquanto o bacalhau o suplanta em azoto. Quando trinco uma maçã, digamos com 150 gramas de peso, sei que ela contém 80 calorias, 22 gramas de hidratos de carbono, 16 gramas de açúcares (fructose, glucose e sacarose) e cinco gramas de fibras, em particular a pectina, responsável pela diminuição do colesterol. Contém ainda diversas vitaminas (C, B1, B2 e B6), potássio, fósforo e cálcio. Além disso, a maçã é dos poucos frutos que podemos consumir sem deixar de realizar outras actividades (não é por acaso que ainda hoje a maçã é o fruto mais consumido no horário laboral do Ministério das Finanças). Sou daquelas pessoas para quem o ritual é tudo. Por exemplo, comer um ovo estrelado exige método e destreza: primeiro a clara, com cuidado para não fazer derramar a gema, que deverá depois ser levada à boca de uma só vez.
A minha ocupação preferida é planear, somar factos no bloco de notas: fusos horários, regras de jogos de cartas, crises financeiras históricas, conferências do Fundo Monetário Internacional, datas dos choques petrolíferos e das crises energéticas, os reis de Portugal e os rios da Europa, os papas e suas datas de eleição (incluindo os antipapas e os papas duvidosos), programas para ensinar de maneira sistemática a geometria algébrica e os clássicos greco-latinos, a métrica de Ancient Mariner, de Coleridge. Os meus poemas favoritos são “Pontualidade” e “Normas e Preceitos”, do reverendo Charles Lutwidge Dodgson. A poesia portuguesa repugna-me, em particular a obra de Fernando Pessoa, o poeta que afirmou coisas tão deploráveis como “amanhã pensarei em depois de amanhã” ou “ah, a frescura na face de não cumprir um dever!”
Mentalmente faço listas de tudo, dígitos das contas bancárias, extractos de conta, a composição de uma nota de 500 euros, tabelas matemáticas, equações, fórmulas, teoremas, axiomas, acrósticos, anagramas, monogramas, postulados, definições, proposições, paradoxos. Tenho o cérebro povoado dum número estonteante de nomes, de caras e de endereços. Folheio-o como outros folheiam a lista telefónica. A minha cabeça é um arquivo imenso de que vou voltando as páginas uma a uma. Não se julgue, porém, que sobrecarrego o pensamento com pequenos pormenores que me afastam das matérias de maior importância. Na minha mente disciplinada tanto incluo os preços da mercearia e da papelaria da esquina como a evolução do Dow Jones e dos valores tecnológicos, o preço de um novo aspirador como os números do fluxo do comércio internacional, a despesa mensal no salão de cabeleireiro como as entradas e saídas dos investimentos directos estrangeiros, o preço de uma máquina de lavar como os índices do consumo de energia por habitante ou a estrutura da dívida externa dos países em vias de desenvolvimento.
Sou uma mulher de acção, não de palavras. Conversar é uma perda de tempo. Durante o governo de Durão Barroso contabilizei as conversas que tive com outros ministros, com secretários de Estado, directores-gerais, assessores, etc. Durante esses cerca de dois anos mantive 6 mil conversas. Ora, considerando que essas 6 mil conversas tiveram a duração média de uma hora o tempo legal perdido com elas andou perto dos 3 anos. O tempo é uma mercadoria rara, é um capital preciosíssimo. O tempo é como um livro de cheques: deve ser utilizado com prudência e frugalidade.
O nosso país está cheio de gente preguiçosa. Gente que só pensa em restaurantes de luxo, no barulho da noite, em festas de gala, nas conversas de salão. Gente que identifica altos níveis de consumo com o sucesso social e com a felicidade pessoal e que escolhe o consumo desenfreado e o hedonismo descabelado como objectivos de vida. A nossa sociedade precisa de ser reformada de alto a baixo. Precisa de aprender o gosto da poupança, da disciplina, da organização. Portugal precisa de trabalhar sem descanso. Portugal precisa de saber o que é a vida dura.
João Pedro George
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